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Ronaldo Desenvolvedor, pai, cidadão do mundo.

A inabilidade das companhias aéreas

Processos errados, falta de informação... a lista é enorme!

A inabilidade das companhias aéreas

Fala-se tanto em inovação e empreendedorismo nos dias de hoje mas as companhias aéreas parecem ter parado no tempo. Para o setor aéreo, usar um chatbot para vender passagens e realizar atendimento aos clientes é sinônimo de inovação, ao passo que o operacional é normalmente caótico, funcionando com base na improvisação, com procedimentos falhos e com fluxos de informação absolutamente ineficientes e ineficazes.

O que descrevo aqui é baseado no meu testemunho pessoal como usuário de serviços de transporte aéreo e, apesar de ser inspirado em acontecimentos muito recentes, não se limita a uma companhia aérea em particular. Inclusive, movi recentemente um processo contra uma companhia aérea por conta dos reveses causados pela péssima gestão de crises da mesma.

Problemas acontecem

Estava voltando de uma viagem de férias ontem, com a minha família, quando o aeroporto onde estávamos foi fechado devido ao mau tempo. Este tipo de coisa simplesmente acontece. Vários vôos foram cancelados por conta disso, pois o aeroporto ficou quase cinco horas fechado. As companhias aéreas não tem como resolver esse tipo de coisa pois trata-se de um problema de ordem superior.

No entanto, é preciso mitigar o problema e é aí que a coisa fica ruim. É neste cenário que as companhias aéreas demonstram seu despreparo, com tomadas de decisão com base em sentimentos ao invés de fatos, análises incorretas de situações adversas, falhas incríveis no fluxo de informação e, o que é o pior, péssimo tratamento ao viajante.

Sim, problemas acontecem e precisam ser resolvidos ou mitigados. Neste caso em particular, não há como resolver o problema: o mau tempo impediu aeronaves de pousar e levantar vôo. Simples assim. Portanto, o problema resume-se a: o que fazer com os passageiros que ficaram em terra?

Ferramentas inadequadas

As ferramentas usadas pelas companhias aéreas para reacomodação de passageiros são absolutamente inadequadas. Testemunhei o uso de um terminal de fósforo verde no qual a responsável pela companhia fazia pesquisas em modo texto, com demonstração de assentos ocupados feitos com “X” e traços. A pesquisa de acomodação limitou-se somente à própria companhia aérea neste terminal burro. Sim, um terminal estilo TN3270, conectado a um mainframe.

As pesquisas em outras operadoras foi feita no Google Flights. Pasme: Google Flights. Não há outra ferramenta que permita que as companhias pesquisem vôos da concorrência: é preciso usar o Google, que é uma ferramenta inadequada para este fim por que não mostra assentos reservados. As companhias reservam alguns assentos para traslado de pessoal e para reacomodação de passageiros que perdem conexão e estes assentos definitivamente não são mostrados em ferramentas externas de pesquisa.

O uso de ferramentas inadequadas demonstra o quanto as companhias aéreas desdenham da informação. Informação é, e sempre foi, uma das coisas mais importantes em qualquer negócio. A análise de informações permite que uma empresa tome decisões que a diferenciem no mercado, dando-lhe vantagem competitiva no que diz respeito ao atendimento ao seu público-alvo. Entendendo o comportamento do seu público é possível formatar, de forma acertada, produtos e serviços que serão realmente relevantes.

Além disso, com a informação correta, análises mais acertadas são possíveis em situações de crise, levando a tomadas de decisão melhores, mais acertadas e muito mais eficazes e eficientes, diminuindo os danos financeiros que são causados pela adversidade.

Fluxo quebrado de informação

O uso de processos e ferramentas inadequados leva a um efeito simples: o disse-me-disse. Isto faz com que um funcionário diga algo que depois é refutado por outro da mesma companhia. Acertos realizados verbalmente com um funcionário são negados depois por outro. A título de exemplo, aceitamos vir de van de Campinas, com a condição de nos deixar em casa. Isto foi acertado com o pessoal de terra no aeroporto onde estávamos. Chegando em Campinas, o funcionário de plantão só cedeu depois de muita conversa, sendo que isto havia sido acertado com um funcionário da mesma companhia previamente.

Porém, como a informação tem seu fluxo quebrado, ou seja, a informação não chega a quem é de direito, ficou pelo disse que me disse: a informação que eu prestei não tinha lastro por que o funcionário de um aeroporto não prestou essa informação e ela perdeu-se no processo, gerando um péssimo atendimento pelo pessoal de terra no destino.

O que me chama a atenção é que os sistemas de ticketing existem há anos mas, no entanto, não são usados para resolver este tipo de coisa. Outro exemplo de como o fluxo de informação é quebrado: nos informaram que todos os vôos saindo do aeroporto estavam cancelados. Corri para a fila do check-in para tentar pegar um voucher de acomodação em um hotel pois não dá para passar a noite em um aeroporto em reforma com duas crianças pequenas.

Ao chegar na fila de check-in, a surpresa: o vôo no qual me reacomodaram não estava cancelado, mas atrasado. Por muito pouco não perdemos o vôo. O fato é que o encarregado na fila de embarque passou adiante uma informação incorreta, algo que demonstra claramente como o fluxo de informação é inadequado.

Falta de interoperabilidade

O centro de controle de vôo de um aeroporto é o responsável por determinar se um aeroporto pode operar visual, por instrumentos ou se está fechado. Boletins meteorológicos são feitos disponíveis e informações de radar e situação do vento conseguem dizer se dá para uma aeronave aterrissar ou levantar vôo, inclusive com algumas estimativas de situação com base na dinâmica imposta pelo clima. Tudo em um aeroporto é medido, desde a pressão atmosférica, velocidade e direção do vento até se há correntes superficiais entrecortantes, conhecidos como “ventos de tesoura”, um perigo para a aviação de uma forma geral. A torre de controle tem essas informações em tempo real, o que os permite estimar, inclusive, o tempo de fechamento de um aeroporto.

Por que as companhias aéreas não têm acesso à essas informações? E se tem, por que não as usam de forma inteligente? Isso demonstra a falta de interoperabilidade entre os sistemas das companhias aéreas e os sistemas de controle de um aeroporto. A falta disso não permite que as companhias tenham informação acurada da situação do aeroporto, o que leva a tomadas de decisão totalmente baseadas em feeling. Esta é a sensação que tive ontem, ao ver a bateção de cabeça no aeroporto com relação ao status do mesmo.

Prejuízos

Agora entendo por que as companhias aéreas sofrem tantos prejuízos. O operacional trabalha, basicamente, de forma pouco inteligente, com rotinas que preveem apenas o caminho feliz, ou seja, quando as coisas andam bem. Ainda assim, eu cansei de observar atrasos desnecessários por conta de bateção de cabeça entre o pessoal de terra mesmo quando a coisa anda bem.

Quando as coisas andam mal o prejuízo é inevitável. O resultado são gastos monstruosos com reacomodação, hotéis, alimentação e uma lista infindável de coisas simplesmente por que estas empresas trabalham de forma muito pouco inteligente.

Inovação

Inovar não é vender assento com mais espaço achando que está fazendo bonito para investidor. Tampouco é usar um chatbot que tem respostas limitadas para facilitar a venda de bilhetes. As companhias aéreas ainda trabalham de forma muito pouco inteligente, baseadas em tecnologias, ferramentas e procedimentos inadequados que geram prejuízos enormes quando coisas fora do controle ocorrem.

Ao assistir o quanto o pessoal de terra bate cabeça, a desinformação, a confusão que existe para resolver ou mitigar problemas deixa claro o quanto a falta de concorrência neste mercado estagnou quem opera hoje nele. Trata-se de um mercado cativo de poucas empresas, regulado por uma agência despreparada que ainda vive no tempo do motor a pistão.

Já é hora destes players pararem de negligenciar as informações e criarem formas mais inteligentes de trabalho que permitam menores impactos não só nos seus próprios negócios como também nos negócios dos clientes que usam seus serviços, clientes estes que hoje são cativos de um pequeno punhado de companhias estagnadas.