Ronaldo
Ronaldo Desenvolvedor, pai, cidadão do mundo.

Escreva código pedestre

E durma mais, viva mais e seja mais feliz

Escreva código pedestre

Eu, enquanto programador, tenho a péssima tendência de escrever código sofisticado. Acredito que não sou um caso isolado. Provavelmente você, programador, também sofre deste mesmo mal. A verdade é que gostamos do que fazemos e queremos que o nosso código não seja apenas um código qualquer: precisa ser o código. Com isso, abrimos mão da simplicidade e deixamos o código mais complexo por que tentamos generalizar demais aquela peça de software no intuito de reaproveitá-la em outros contextos.

O resultado é inegavelmente o mesmo: você termina com um código difícil de manter, dando dor-de-cabeça e ultrapassando o limite orçamentário e temporal do seu projeto. Tudo por que você quis fazer código sofisticado. Não, não estou te julgando. Eu mesmo já fiz isso incontáveis vezes, inclusive muito recentemente.

Não é Concurso de Código

A menos que você esteja participando de um concurso de quem escreve o melhor código, o seu dia-a-dia não é um concurso. No fim do dia o seu código precisa funcionar de acordo com a especificação, sendo um código feio ou não. E quando digo funcionar quero dizer: sem detonar seu software. Ou seja, com a menor quantidade possível de bugs.

Qualidade de código não é o quanto bonito seu código está, mas o quanto aderente ele está com relação às especificações que você recebeu. Eu já cansei de ver código incrivelmente feio mas que estava não só aderente à especificação como executava sem falhas. Talvez fosse necessário um refactoring para otimizar o uso de recursos e melhorar a manutenabilidade do código. Porém, o código não precisa ficar bonito de primeira: ele precisa funcionar.

Trabalhe Iterativo

O que fazemos é desenvolvimento. Se você não tem vergonha da primeira versão do seu software, você definitivamente fez alguma coisa errada. Imagine que seu projeto é uma sementinha. Ao longo do tempo, essa sementinha cresce, cria raízes, caules, folhas, flores, até se tornar uma árvore frondosa. No entanto, o processo de crescimento pode levar a uma muda feia, esquisita, mas que faz o que deveria fazer.

Assim é com o software: a cada iteração do seu desenvolvimento, seu código fica melhor. Algumas partes ficam feias pois acabaram de ser escritas, outras ficam bonitas por que você fez refactoring. O bacana de entender isto como um processo evolutivo é que você começa a perceber que não precisa escrever o melhor código na largada, mas o código suficientemente bom para resolver o problema proposto.

À medida em que o tempo avança, e seu conhecimento sobre a matéria que está sendo automatizada aumenta, o seu código evolui e melhora. Tentar sair generalizando tudo de início vai criar código extremamente complexo pois você poderá generalizar aquilo que é específico do projeto levando a um código desnecessariamente complexo.

Com Grande Flexibilidade Vem Grande Complexidade

Quanto mais flexível é o seu software mais complexo ele é. A menos que a especificação do seu projeto exija flexibilidade, é importante tornar o seu código o mais inflexível possível. Isso aumenta sua simplicidade e torna-o muito mais fácil de manter.

Por mais que você discorde disto que acabei de dizer, você perceberá, com o tempo, o quanto as partes flexíveis em um software comercial são raras. Normalmente as especificações são tão focadas que dificilmente um software flexível será criado para atendê-las. Isto faz com que a criação de software extremamente flexível seja uma ave rara ao invés de um padrão de mercado.

Escrever software com características limitadas não é ruim. Na verdade, é algo que vem tornando-se padrão de mercado. Quem nunca ouviu falar em menos é mais? Empresas como a 37 Signals criaram soluções que são altamente limitadas em termos de features. O resultado? São ferramentas incrivelmente estáveis e poderosas.

Mesmo aquilo que pode ser generalizado no seu software tende a ter flexibilidade limitada pois resolve uma classe muito específica de problemas.

Não Invente Moda

Eu costumo falar isso para os meus colegas desenvolvedores: não invente moda. Seja simples. Se a sua linguagem de programação não tem uma determinada feature, não force a barra tentando implementar algo que simule. Por exemplo, C não tem suporte a exceções. Portanto, tentar criar um esquema de tratamento de exceções em C é uma forma simples de tornar o seu código ilegível, desestruturado e fadado a erros (tratamento de exceções em C normalmente leva ao uso de goto, o que torna o seu código um pesadelo).

Qualquer coisa que você for escrever, o faça da forma mais simples possível e imaginável. Deixe para que as próximas iterações do desenvolvimento adicionem sofisticação. O código precisa nascer simples. Sempre. Se você parte de um código sofisticado na largada o resultado será:

  • você gastará mais tempo para implementar o que precisa ser feito
  • você terá várias dores-de-cabeça para estabilizar seu código
  • testar seu código será algo semelhante a tentar mover uma montanha com a força do pensamento. Provavelmente você terminará fazendo força demais a ponto de se cagar.
  • você vai ficar sem dormir
  • você se tornará cliente de algum delivery de trash food, pois é o que se come quando os projetos atrasam.

Não Faça Gambiarra

Antes de encerrar o assunto, algo que vale a pena mencionar: não faça gambiarra. Fazer as coisas com simplicidade é diferente de fazer gambiarra no código. Gambiarra sempre termina mal. Toda gambiarra é sensível a alterações ambientais e tende a ser o ponto onde seu código ou será invadido por um hacker ou quebrará miseravelmente.

A gambiarra é uma ferramenta do desenvolvedor, no entanto. Como toda ferramenta, é preciso saber quando usá-la. O cenário mais comum no qual eu, Ronaldo, fiz gambiarra foi este: a produção parou, precisa-se de um patch com urgência e já há advogado escrevendo petição para botar a empresa no pau. Contingência: fazer uma gambiarra para resolver imediatamente o problema e colocar a produção de volta com um hot fix e depois, com calma, avaliar o problema e resolvê-lo de forma correta.

Note: gambiarra é uma forma de contingenciamento. Quando você está trabalhando sob pressão e tem pouco tempo para resolver um problema de produção, a gambiarra, às vezes, é a melhor solução de curto prazo. Neste cenário é preciso ganhar tempo para fazer uma correção decente no código. Note: a gambiarra é meramente temporária.

Enfiar uma gambiarra no seu código de forma permanente é pedir para dar merda. É importante que você durma, tenha vida social, tenha tempo de brincar e se divertir. E largar uma gambiarra no seu código coloca tudo isso em xeque: você vai esquecer onde gambiarrou, a produção vai cair e lá se vão horas e horas tentando descobrir que raios aconteceu no seu código.

Desenvolva o Código

Para fechar a discussão, uma listinha de dicas para evitar que você perca horas preciosas de sono:

  • comece simples;
  • não faça gambiarras;
  • refatore depois de pronto se for necessário e possível;
  • não invente moda;
  • se for possível, generalize. Porém, só generalize se isso for uma vantagem. Se não for, foda-se;
  • seja sempre objetivo ao escrever seu código;
  • faça o código evoluir com o andamento do projeto. Não tente evoluí-lo logo nas primeiras iterações.

Feliz Codificação!