Causos de programador: programando bebum
Fato verídico
Este fato aconteceu em 2005. Foi uma das viagens de negócios mais divertidas que já tive. Isso aconteceu no dia 13 de Abril de 2005, uma segunda-feira.
Tudo começou na sexta-feira, dia 10 de Abril de 2005. Foi um dia normal de trabalho e um pouco antes do fim do expediente o chefe me chamou na sua sala. Ser chamado pelo chefe, no fim do expediente, numa sexta-feira, normalmente é motivo para pânico. Eu pensei que segunda-feira estaria procurando outro emprego. No caminho até a sala dele, fiquei ponderando o que eu havia feito de errado e fui me preparando para o pior.
É bom dar um pouco de contexto. Nessa época eu trabalhava para uma empresa que, posteriormente, foi comprada pelo Mc Donald´s. Eu auxiliava no desenvolvimento do ponto-de-venda da franquia. A empresa, na época, era de dois irmãos, naturais de Cajuru, interior de São Paulo. O meu chefe, por acaso era um dos irmãos. Um sujeito peculiar, cujo senso de humor é bastante ácido. Ele foi um dos meu gurus, que me ensinou a ser programador de verdade.
Ele não é um sujeito de meias palavras. E quando precisava demitir alguém, era na lata. E, claro, pensei realmente que seria demitido naquele dia. Quando entrei na sala, a primeira coisa que ele me pediu foi para fechar a porta e me sentar. Ele tinha um código muito interessante: a sala dele ficava sempre com a porta aberta, indicando que poderíamos recorrer a ele sempre que tivéssemos alguma questão. E como ele é um programador fantástico, virava e mexia eu ia tirar dúvida com ele. Claro, ele sempre pegava no meu pé.
Bem, quando ele pedia para fechar a porta da sala era porque a coisa era séria. Normalmente ele fazia isso quando precisava demitir alguém. Bem, fechei a porta e me sentei. E ele começou:
Chefe: Como está o seu passaporte? Eu: Está em dia, inclusive com um visto válido para os EUA. Chefe: Ótimo. Segunda-feira quero você na Alemanha junto com o seu gerente para resolver aquela merda daquele FVM. Seu vôo sai domingo, de noite, de Guarulhos.
Claro, fiquei surpreso. Estava esperando ter meu emprego ser terminado e, de repente, estava viajando para outro país. E ele completou:
Chefe: Leva papel higiênico porque alemão acha que o cu é feito de couro.
Não levei a sério a última frase, rimos e segui a procissão. Saindo da sala dele, liguei para a patroa e avisei que domingo ia para a Alemanha, passar uma semana por lá. O fim de semana seguiu naquela preparação para a viagem e pronto, fui para a Alemanha.
O Vôo
Peguei um vôo da Lufthansa, em Guarulhos, com destino a Frankfurt. O meu destino final era Stuttgard, onde ficava o escritório do integrador que instalava os pontos-de-venda para o Mc Donald´s alemão. Entrei na aeronave me sentindo “o cara”. Afinal a Lufthansa foi a empresa que inventou o serviço de bordo, conhecida pelos seus vôos luxuosos. Nada como ser um sujeito inocente!
O avião parecia um ônibus intermunicipal, com gente saindo pelo ladrão. Fiquei na fila do meio, de frente para uma parede que não me permitia esticar as pernas. Teria de ficar ali por longas 12 horas. Depois que o avião estava no ar, algumas horas já sobre o Atlântico, comecei a sentir um gotejar de água na minha cabeça: estava debaixo de uma goteira do ar condicionado. Como o vôo estava lotado, simplesmente não dava para trocar de lugar.
Os mais interessante foram as aeromoças: mal-educadas, apenas uma delas falava um inglês meia-boca ruim até de entender. Mas, falavam alemão com naturalidade. E assim foram minhas 12 horas de viagem.
Chegando por lá
Eu e meu gerente chegamos em Frankfurt às 6 da manhã. Fomos admitidos na Alemanha por um sujeito peculiar que mal olhou na minha cara antes de carimbar meu passaporte. De lá pegamos um vôo doméstico para Stuttgard, um vôo de pouco menos de 1 hora. O pouso merece menção honrosa: o piloto não aterrisou. Ele jogou o avião no chão. Com tantas horas de vôo, nunca tinha sentido um baque tão forte num pouso antes. Foi uma porrada tão forte que vários compartimentos de bagagem abriram. E, pelo visto, só eu e o meu gerente quem nos assustamos. O resto do povo estava numa paz transcendental.
Éramos esperados por um sujeito que trabalhava no integrador. O cara se apresentou e foi incrivelmente simpático. Na minha inocência, achei que iríamos para o hotel para dar aquela dormida antes de ir para o trampo. Nada feito, direto para o escritório. Foi quase uma hora de carro até Sidelfingen, uma cidadezinha linda perto de Stuttgard.
Álcool
A manhã transcorreu tranquila. Nos ambientamos, arrumamos um ponto de rede e começamos a trabalhar. Na hora do almoço, o alemão que nos recebeu nos levou para o seu restaurante predileto. E foi aí que aconteceu o fato cômico: ele começou a fazer uma propaganda da cerveja do lugar, que era fabricada pelo próprio restaurante, que era uma das melhores e que achava que tínhamos de provar. Ele já havia pedido uma rodada para a gente.
O copo de cerveja dos caras é um monstro de 700ml. E a cerveja é leitosa pois lá eles não filtram a danada. Pense numa cerveja forte! Forte, porém muito saborosa. Ao terminar o copo eu e meu gerente já estávamos para lá de Marrakesh. Foi quando o sujeito diz que tínhamos de provar a tradição do lugar: cerveja com um sei-lá-o-quê misturado. E lá foi outra rodada com copos de 700ml da cerveja do lugar. O sei-lá-o-quê era uma dose de Steinhager que eles misturam na cerveja. Até o copo de dose deles é descomunal.
O detalhe é que o alemão também estava todo feliz enchendo a caneca junto com a gente. Depois dessa copada de cerveja forte com Steinhager, o nosso amigo germânico ainda quis mais uma rodada, mas eu já estava suficientemente cheio de álcool para não saber para que lado ficava o Brasil. Ele entendeu a nossa recusa em tomar mais uma e pediu mais duas rodadas para si.
Terminado o almoço, voltamos para o escritório. O nosso anfitrião parecia que tinha tomado água. O cara estava inalterado. Mas eu e o meu gerente estávamos muito felizes. E lá fomos nós trabalhar o resto da tarde literalmente bêbados.
No meio da tarde, eu e meu gerente tivemos uma discussão acalorada sobre a funcionalidade que tínhamos de fazer. Claro, estávamos bêbados, e a discussão foi uma comédia. Equacionamos o problema, apresentamos para o pessoal de lá e me pus a programar. Em 40 minutos já tinha a solução escrita e testada. Fim do dia, vamos ao hotel.
Passei a semana testando e ajustando o código para outros cenários que foram aparecendo no caminho. Ao ler o código, não consegui entender como havia escrito aquilo. Foi o código mais simples, mais eficiente, e mais misterioso que já escrevi na minha vida. Uma obra de arte. Validamos tudo durante a semana e voltamos ao Brasil no fim de semana.
O Hotel
Fiquei num hotel muito charmoso, com estilo europeu. Confortável, mas não era luxuoso. Sofisticado para os padrões tupiniquins. Uma vez no quarto entendi o aviso do meu chefe: o papel higiênico do lugar era rosa.
Parecia uma lixa d´água: limpa, penteia e lustra. E aí as palavras do chefe fizeram todo o sentido: aquilo realmente era para quem tem o cu feito de couro. Conversei com o chefe pelo messenger da empresa, para dar notícia de como foi nossa chegada e nosso dia no trabalho. E foi aí que dei razão à observação. Foi quando ele me solta uma pérola:
- A moça da copa acabou de passar por aqui com um pacote de Neve!
Confesso que senti inveja.
De volta para casa
A volta para casa foi uma comédia em si: achávamos que pegaríamos um vôo em Stuttgard para Frankfurt e depois de volta ao Brasil. Na verdade, reservaram um trem para a gente. Tivemos de chegar à central de Stuttgard para depois seguirmos para o aeroporto. O legal é que fizemos o check-in na central de trem, no balcão da Lufthansa. E só reavimos a bagagem no Brasil.
Depois que voltamos, precisei ainda dar manutenção no código que criei bêbado. Demorei uma semana inteira tentando entender que raios eu havia feito para ajustar o código para alguns cenários de arredondamento. Até hoje eu não sei como foi que escrevi aquilo e, desde então, evito beber para codificar.
Os Alemães
O ponto alto dessa viagem maluca foram os alemães. Povo incrivelmente hospitaleiro. Um deles nos levou para uma taverna, fora do horário de expediente, para provarmos o famoso joelho de porco com chucrute. A taverna e a igreja foram as únicas construções que ficaram de pé depois dos bombardeios que a cidade sofreu durante a 2ª Guerra Mundial. Afinal, ali fica a fábrica da Mercedes Benz, que fabricava tanques Panzer e Tiger na época. A igreja tinha algo em torno de 900 anos de idade. A taverna estava ali há uns 300 e poucos anos.
Entrosamos com o pessoal da taverna, que falavam inglês bem meia-boca. Mas depois de umas biritas, todo mundo se comunica bem. E fiquei com essa lembrança do povo alemão, um povo hospitaleiro e entusiasmado.
E assim se deu minha última viagem de negócios internacional. Depois disso, as viagens internacionais tornaram-se obsoletas com o advento das tecnologias em nuvem e de conferência. Hoje eu trabalho em servidores na Europa e nos EUA apenas com uma conexão à internet.