O conto da startup mirabolante

Hoje em dia está na moda ter uma ideia brilhante e sair procurando developers para fazer a ideia virar uma empresa multi-milionária. Vira e mexe alguém me procura com uma ideia brilhante, já validada ou em validação, seguindo a cartilha do Lean Startup. Sempre oferecem uma parcela da empresa e pensam que podem criar uma empresa sem dinheiro.

Nenhuma ideia é brilhante ou única. Se você teve a ideia, pode ter certeza que não foi o único. Se você acha realmente que sua ideia é única e genial, reveja seus conceitos e desça do pedestal. Ideia todo mundo tem. O que conta não é a ideia, mas a execução. Execução é tudo. Sem execução você pode ter tido a ideia mais mirabolante do universo. Não serve de nada.

O fato é que o problema que toda empresa precisa resolver é um só: o dinheiro está no bolso do seu cliente e é preciso achar o caminho para este dinheiro. Não importa se você criou o serviço noir de táxi ou o über serviço de venda de pizza. Se não entrar dinheiro na sua empresa ela morre asfixiada. Vai criar um serviço de fotos estilo instagram? Perfeito! Como isso vai levantar fundos para pagar as próprias contas?

Muita gente acha que basta desenvolver um app e já era. Todo app tem um ciclo de vida e um custo de manutenção. Para permanecer funcionando tem custos: servidores, programadores, administradores de sistema, etc. Como o seu serviço vai pagar por estes custos? Como vai pagar pelos impostos, obrigações trabalhistas? Esse dinheiro precisa vir de algum lugar. E esse lugar é o bolso do seu cliente.

O Investidor

Uma coisa que normalmente ouço é que o sujeito vai procurar investidor. Ótimo. Se você não apresentar ao investidor como você pretende transformar sua ideia em dinheiro e não tiver estimativas sólidas de quanto precisa de investimento nem quando o investimento retornará, nem perca seu tempo. Você simplesmente achar que sua ideia é genial não atrai investidor algum.

Muita gente também me aparece com a ideia de que o investimento será de tempo e que isso é pouco. Não é pouco. Faça uma conta: quanto custa sua hora de trabalho? Multiplique por 160 e depois por 13, o que quer dizer o número de horas por mês e o número de meses no ano, contando com o 13º, respectivamente. Por ano esse será o investimento que cada pessoa fará no seu projeto. Em quanto tempo isso voltará aos bolsos dessas pessoas?

A Dura Realidade

A realidade aqui é bem mais dura do que a realidade enfrentada por startups norte-americanas. Vamos começar pelo corpo técnico: nos EUA um programador tem formação muitas vezes superior ao de um programador brasileiro. Aqui no Brasil as pessoas acham que conhecer uma linguagem de programação é suficiente para ser chamado de programador. Lá fora um programador tem diploma das melhores universidades do mundo, com uma gama de conhecimentos e habilidades que ultrapassa, de longe, o que temos aqui.

Os cursos de tecnologia no Brasil não formam profissionais preparados para o mercado internacional. Mal formam profissionais para o mercado nacional que, diga-se de passagem, é um mercado defasado se comparado com a Mecca da tecnologia, o Vale do Silício.

Aqui no Brasil o anafalbetismo funcional é uma realidade para todos os profissionais, incluindo-se os profissionais de TI. Aplique uma prova de redação na contratação de um programador e você vai entender o que estou dizendo. Se o cara não consegue estruturar o pensamento num texto simples, o que dizer de um programa complexo?

Assim, não dá para criar uma startup que consiga produzir um produto de qualidade excelente com apenas um punhado de programadores no Brasil. Simplesmente não há conhecimento técnico suficiente para isso.

Outro ponto importante é a forma como uma empresa funciona no Brasil. Não importa se você está criando uma startup descolada que tem uma forma bacana de trabalhar. Você está preso às leis e normas trabalhistas brasileiros. Ou seja, 8 horas por dia, 40 horas por semana. É preciso ter um contador para fazer a contabilidade fiscal. Acredite-me, a não ser que você seja um contador, você não vai conseguir fazer isso sozinho. É preciso fazer a escrituração da sua empresa, recolhimento de impostos, e mais uma série de pagamentos mensais que fazem parte das despesas que sua empresa terá.

Ter uma startup é ter uma empresa. É preciso gerenciar sua startup como se gerencia uma empresa. Há obrigações que precisam ser pagas e se isso não acontecer, o resultado é um só: sua empresa quebra.

Não desanime

Te desanimei? Não se deixe desanimar. O fato é que ter uma empresa não é tão fácil quanto os empreendedores de palco vendem. É bem mais complicado. É uma montanha russa emocional. Todo mundo fará o possível para te desanimar, mesmo as pessoas que se importam com você. É um admirável mundo novo e todo mundo tem medo do desconhecido.

Apesar disso tudo, empreender e ter seu próprio negócio é algo muito enriquecedor, mas não do ponto-de-vista monetário. Você é obrigado a sair da sua zona de conforto e aprender novas disciplinas, lidar com diversas áreas, lidar com pessoas… Empreender é, basicamente, pluralizar-se. E esta é uma experiência que, confesso, é extremamente arrebatadora e compensadora.

Se você quer empreender, faça-o, mas saiba que não é fácil. Você será muito exigido. Você vai tropeçar muito antes de conseguir andar. Alguns conseguem andar antes de você. E não se perca comparando-se a essas pessoas: cada um faz as coisas a seu tempo. No tempo certo.